Ilha da Cova da Moura – Um Oásis de Determinação Cultural

"Estreado há já um tempo mas firmemente mantido em cartaz como corajosa alternativa à programação comercial, “Ilha da Cova da Moura” é o mais recente filme do realizador Rui Simões.
Se não foi possível a sua divulgação à data da estreia, coincidindo com o acompanhamento da visita de Sua Santidade o Papa Bento XVI, o filme torna a estar na ordem do dia, presente que foi nas 6ªs Jornadas da Pastoral da Cultura, onde serviu de abertura ao debate sobre o tema da Igualdade. Em torno do filme, o debate abriu com as empenhadas participações do realizador e do economista social Alfredo Bruto da Costa, dois inequívocos promotores dos Direitos Humanos e de valores como o da igualdade, cada um na sua actividade particular. “Ilha da Cova da Moura” resulta, então, da incursão do realizador de “Bom Povo Português” (1980) e “Deus, Pátria, Autoridade” (1976) a um dos bairros periféricos de Lisboa, (im)popularizado por uma comunicação social que teima ajudar a tomar, aos olhos da opinião pública, o todo de uma comunidade fortemente enraizada na sua cultura e tradições, pela parte que representam alguns grupos marginais que exploram, por exemplo, o tráfico de droga.
Desejoso de mostrar o muito que há para além dessa cortina de fumo mediático, ainda que iniludível, Rui Simões parte do conhecimento que travou com a Associação Moinho da Juventude, que ali desenvolve um trabalho único na promoção da educação e da cultura daquela população. E daí nos leva a percorrer os caminhos entrecruzados de uma diversidade de pessoas que, dia-a-dia, constróem um presente e um futuro dignos. Sempre invocando o que de mais consistente lhes legou o passado.
Chama-se ilha à Cova da Moura por ser um nicho cultural no meio de uma urbe que durante anos e anos a ignorou. Chama-se ilha por constituir um cosmos de vida e de cultura, rodeado de um mar de prédios e urbanismo descontrolado, esse sim genuinamente periférico e a quem dificilmente se pode reclamar empenho no respeito por uma outra cultura quando a(s) do(s) seu(s) próprio(s) habitante(s) desapareceu.
O modo como deste bairro que não é tanto um bairro periférico como um bairro cultural se podem construir pontes para que se reconheça o valor da igualdade, na diversidade, ou como D. Manuel Clemente tão bem referiu, na alteridade, é algo que não pode se pode “receitar”.
Mas como fica claro, se de um filme pudermos gerar um debate construtivo, aberto a realidades que desconhecemos e se, em cada uma dessas realidades valorizarmos a riqueza da diversidade, sem prejuízo de direito ou condição, então cumprimonos como humanos e cristãos e cumprimos o cinema como espaço de contemplação e diálogo desassombrado."



Margarida Ataíde

ILHA DA COVA DA MOURA abre a 6ª Jornada da Pastoral da Cultura


Programa

Fátima (Casa de Nossa Senhora do Carmo)
25 de Junho de 2010

10h00
Insularidades & Surpresas na Igualdade

Exibição do filme “Ilha da Cova da Moura”
Realizador: Rui Simões

Debate
Rui Simões
Cineasta

Alfredo Bruto da Costa
Economista social

Moderação: Margarida Avillez Ataíde (jornalista)


secretariado nacional da pastoral da cultura


Luís Graça & Camaradas da Guiné

Já vi o filme duas vezes, a primeira no IndieLisboa'10... No meu bloco de notas, fui rabiscando algumas palavras-chave ou descritores para um futuro texto de leitura crítica:
O amanhecer, a cidade grande, o vermelho do céu, fome de terra, um homem e uma mulher transportando cachos de bananas e milho, de repente uma nesga de África na Grande Lisboa, um jovem mediador intercultural (sic) mostrando o bairro, "São todos bem-vindos", Restaurante Coqueiro, Moínho da Juventude, "coração do bairro", empregadas domésticas, "Ir abaixo o bairro ? Faz muita confusão", amor ao bairro, medo de melhorar (de fazer obras), "mapa mental" do carteiro (correio), emaranhado de ruas e ruelas, casas sem nº de polícia, vendedeiras de peixe na Ribeira, 2h da madrugada/13h da tarde, comboio, crianças na rua, papel social e cultural do Moínho, cozinham todos dias mais de 400 refeições, o ciclo da violência, história de uma família ("quem com ferro mata com ferro morre"), retornados de Angola, retornados mais caboverdianos, brancos, cultura própria, mix, estigmatização, "Cova da Moura tem má fama, mas eu não troco a minha casa por um andar", "pais de rapariga branca não aceitam genro de cor", "filho de macaco" (sic), "mãe já aceita, pai não", "bandido, marginal, preto" (sic), estereótipos, racismo, arbitariedade da polícia, falta de maturidade e de competências técnicas à PSP, "reis da Cova da Moura", bodas de prata, igreja da Buraca, rua como espaço público (onde se cozinha, dança, namora, come, se faz o choro...), Santa Casa da Misericórdia da Amadora, história do bairro, origens, conflito inicial com ciganos, malandros, convívio, festa, manhã, autocarro, limpeza de escritórios, pequenos almoços e almoços para as crianças e as amas do bairro (4 crianças por ama), creche familiar, trabalham para o Moínho, histórias de vida, papi embarcadiço, vida de mulher caboverdiana ("sabe como é, é preciso ter sorte com o marido, o meu é trabalhador"), operadora de caixa no Modelo, "não conheço vizinhos no meu prédio, na Cova da Moura tinha tudo", entreajuda, solidariedde, relações de vizinhança, pequena empresária, caboverdiana, mora nas Mercês, emprega 16/17 mulheres, capitalista, "gosto de ajudar os meus", mercearia, arroz perfumado, guineense, muçulmano, mesquita, pequena comunidade, orações, jovens, "um dia irá mudar", "bófias, tou farto deles" (sic), grogue, droga, socialização, "mulher aqui não é problema, problema é união", melhores condições, Moinho da Juventude, a história do casal holandês que são figuras tutelares do bairro, biblioteca, grupo Batuque, grupo Kola San Jon, a cultura como identidade, o crioulo, energia, pilar o milho, fritar o milho, rua, velório, choro, enterro, festa Kola San Jon, Kola de coladeira, happening, orgia de cor, som, corpos, de repente o fado batido em Lisboa por volta de 1830/40 (e proibido por indecente!), 18 hectares, 1617 habitações, 6 mil habitantes, sobretudo caboverdianos, mais de 45% com menos de 20 anos... "Às vezes mandam-me para a minha terra... Ora eu nasci em Portugal... Como diz meu pai, Português preto, isso não existe" (jovem mulher, líder local, a força telúrica africana, 5 estrelas)...
Um documentário "soft", "cool", "politicamente correcto", "romântico ma non troppo" , "etnográfico", "voyeurista" ?... Há um brilhozinho nos olhos do Rui Simões, um "homem de causas", quando fala da sua "ilha"... Há um brilhozinho nos olhos dos moradores locais agora promovidos a estrelas de cinema... Eu achei lindo... E agora, juventude ? O que vamos fazer com esta "forcinha" ? Já em 2005, as fotos da fotojornalista Susan Meiselas deram uma forcinha...
"De repente, Portugal dera de novo a volta ao mundo. O arrastão de Carcavelos em 2005 , fora notícia, à falta de Tsunami, vulcão, terramoto, atentado terrorista ou castigo divino. Há males que vêm por bem, dirão uns. As fotos da Susan Meiselas, da Agência Magnum, penduradas nas janelas, nas varandas e nos estendais da roupa do gueto da Cova da Moura, acabaram por dar-lhe uma outra dimensão mediática e contribuir para a melhoria da sua imagem e da auto-estima dos seus habitantes, náufragos do império, filhos de um deus menor" (*).
Outro tanto fez (ou está a fazer, em 2010) o filme do Rui Simões. Acredito na força da imagem e da palavra: podem ajudar a mudar o mundo, pelo menos a nossa casa e o que a rodeia...



blog de Luís Graça

Entrevista a Rui Simões - C7INEMA

Por ocasião da exibição no Indie e da estreia nas salas a 13 de Maio da “Ilha da Cova da Moura”, um documentário sobre este bairro da periferia lisboeta, falámos com Rui Simões, o realizador. Nascido em 1944, em Lisboa, é uma pessoa politicamente activa, tendo participado no Maio de 68 e sendo um dos fundadores da secção portuguesa da Amnistia Portuguesa. Nas artes, tem experiência em teatro, instalações vídeo e realizou em directo os espectáculos efectuados na Praça Sony durante a Expo 98. Com vários filmes já realizados, essencialmente documentários, o "Ilha da Cova da Moura" centra-se no dia-a-dia deste bairro e nas suas raízes cabo verdiana.



O filme ficou em segundo lugar da escolha do público, que foram 5 documentários, 4 portugueses.

Acho que havia excelentes trabalhos, excelentes documentários e acho que cada vez há mais bons documentários em Portugal. O documentário nunca deixou de existir no mundo com grande qualidade, em Portugal há falta de investimento no documentário.

Fazer um documentário em Portugal, é muito difícil?

São verbas muito pequenas e portanto nós não podemos elevar o patamar de um documentário ao nível de documentários que a gente vê no estrangeiro, que são produções como deve de ser.

Eu acho que a qualidade é boa…

Sim, porque há quem lute por ela.

A nível de fotografia, imagem e mesmo som, que é considerado o ponto fraco do cinema português, nos documentários, está muito boa.

Sim, não me posso queixar porque sempre tive som bom nos meus filmes. Há 35 anos tenho som bom. Nunca tive problemas, nem nos meus primeiros filmes: o “Bom Povo Português” tem um som excelente. O filme passou no mundo inteiro e nunca tive problemas nenhuns de áudio. E continuo a não ter. Agora, no geral, é verdade que há uma evolução grande. Porque a tecnologia evoluiu muito, também há mais técnicos, mais formação, as coisas sentem-se. Não se pode estar sempre a queixar que vieram para cá os fundos europeus e a gente não fez nada. Fez. Houve uma evolução, apesar de tudo. Há muitas escolas de técnicos novos. Acho que há uma evolução grande. Mas no documentário é onde isso é mais visível, na verdade.
Esse problema, eu sei que se põe. Sei porque também sou espectador, portanto sei que se põe. Agora, no documentário acho que há um salto muito grande em termos de linguagem, em termos de abordagem, em termos de capacidade de apresentar um trabalho coeso. Acho que há uma grande evolução no cinema português. Porque há jovens a entrar e com poucos meios podem mostrar o que valem e isso também ajuda a que a concorrência seja maior, porque a ficção está muito na mão das mesmas pessoas, portanto, o cinema português… O que é o cinema português? Eu tenho as minhas dúvidas, sou um bocadinho radical nisso mas, a verdade é que está fechado num grupo de cineastas que são sempre os mesmos. Não quer dizer que não haja outros. A prova é que, quando se abre uma oportunidadezinha a um jovem, ele galga logo e sobe. Mas acho que no documentário, como são orçamentos pequeninos e baixos, há mais diversidade, há mais gente a fazer. Até se consegue fazer com muito pouco dinheiro porque basta pegar numa câmara e uma pessoa vai para a frente e isso parecendo que não inova.

O filme que ganhou o Doclisboa era um documentário chinês essencialmente gravado com uma câmara de mão.

No Doc há filmes mais ousados. Aqui no indie também ganhou um filme feito de câmara à mão, portanto, daqueles irmãos americanos. Ganhou o grande prémio do festival. Câmara rápida, à mão, os actores são perseguidos pela câmara quase, portanto, essa linguagem, no indie e nos festivais passa bem, não é? Nos cinemas já é mais difícil. O público tem dificuldade em aceitar uma câmara muito rápida, imagens desfocados e tal.

TimeOut Lisboa . Entrevista a Rui Simões

Na Cova da Moura há mesmo uma cidade dentro da cidade, como dizia o anúncio?

Sim, aquele bairro tem uma cultura própria, enraizada ali durante estes 30 e tal anos de construção clandestina, e que não se pode apagar com uma borracha. Ainda por cima tratando-se de imigrantes de uma ex-colónia portuguesa. De certa forma, é Cabo Verde dentro de Lisboa.

Porque é que quis mostrar o outro lado do bairro?

Comecei a ver na imprensa uma grande preocupação, e ainda bem, para este fenómeno da Cova da Moura. Era um sítio altamente conflituoso, com grande visibilidade, misturada com uma certa vontade de arrasar aquilo por interesses imobiliários. De qualquer forma, eu tinha ideia de que o bairro funcionava de forma organizada, que não era propriamente um bairro de barracas. Eu gosto de causas e vi ali mais uma causa a defender. E fui lá ver o que se passava. A pouco e pouco, ao longo de três anos, comecei a familiarizar-me com aquela realidade e a gostar do que estava a ver. E a perceber que as televisões e os jornais não estavam a mostrar o retrato todo. Eu quis ver o lado positivo sem esquecer que o negativo também existia.

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Moinho da Juventude

"Éramos umas 80 pessoas que fomos ver o documentário de Rui Simões “a Ilha da Cova da Moura” no dia 28 de Abril na Culturgest. Gostamos muito. Os nossos Parabéns ao Rui Simões! Ele fez o filme com muito respeito pelas pessoas. Foi muito aplaudido pelas pessoas presentes no Grande Auditório. É um documento que fica para a história do bairro. Obrigada Rui! O Director do Festival INDIE notou que “Ilha da Cova da Moura” era o 1º filme positivo do Festival INDIE! O documentário entrará no circuito comercial a partir de 13 de Maio."

C7nema . crítica de João Miranda

Segundo o crítico de arte do portal “C7nema”, João Miranda, o documentário revela as raízes da cultura cabo-verdiana numa “visão diferente sobre este bairro da periferia lisboeta, tão caracterizado pela sua violência nos noticiários”.

“Esta viagem de hora e meia tenta, nas palavras dos moradores, explicar a história e a vivência do dia-a-dia no bairro, revelando uma história de uma comunidade coesa e a cooperação e confiança entre as pessoas, essencialmente mantida e construída na cultura de origem da maioria das pessoas que aí moram, a cabo-verdiana, tão marcada que levou algumas pessoas a descreverem o bairro como a 11ª ilha do arquipélago africano”, analisa Miranda.


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IndieLisboa '10







Menção Honrosa do prémio Amnistia Internacional para o documentário "Ilha da Cova da Moura" no Festival IndieLisboa.

Está-se bem na Cova da Moura

Depois de Ruas da Amargura, Rui Simões regressa novamente com um cinema de causas. Desta vez, mostra a riqueza e diversidade cultural da Cova da Moura. Não há que ter medo do monstro papão que todos querem abater. Depois de passar no Indie, o filme estreia-se em sala (Lisboa, Porto, Alfragide e Viseu) no dia 13 de Maio.

Entrevista publicada na edição de 21 de Abril de 2010 do Jornal de Letras

Ilha da Cova da Mora na revista VISÃO

"Mais uma vez, depois de As Ruas da Amargura, Rui Simões pega num tema que parece estafado, para mostrar que é sempre possível romper a superficialidade da cartola e tirar de lá mais alguns coelhos. No famoso guetto da amadora encontrou um bairro que dá uma "lição de vida comunitária" a todo o país. O realizador não se interessa por política, não pertence a nenhum partido, "mas sou um militante de causas". E percebeu que ter ali "África a um minuto de Lisboa" é um património que não pode ser destruído, "e que só nos enriquece". Não se interessou pelo tráfico, nem tanto pelos aspectos mais exóticos da senhora a moer o milho no meio da rua. Interessou-lhe esta ideia de "ver um Cabo Verde reconstruído à imagem do seu próprio país", onde se vive na rua, se convive, se fazem festa onde cabe sempre mais um, onde uma série de serviços comunitários são humanos e funcionais. "Características e atitudes e gestos, que são mais riqueza do que pobreza". Sem ajuda de voz off e sem recorrer a música de apoio, para além daquela que se escuta no bairro, Rui Simões passou três anos a pesquisar e a conhecer as pessoas, mas classifica-o como um dos filmes mais difíceis de fazer da sua carreira. É complicado retratar toda uma população, transmitir o ambiente, toda aquela energia das festas que chegavam a durar dez horas, e depois condensar tudo numa hora e meia de filme. Na Ilha... (estreia-se em sala a 13 de Maio) a câmara de Rui Simões entra literalmente no panelão da cachupa. "Gostava que as pessoas no cinema conseguissem cheirar aquele prato."



Ana Margarida de Carvalho

Diáspora/cinema:A Ilha da Cova da Moura

Cabo Verde não fica só em África. Cabo Verde está mesmo às portas de Lisboa. Esta é a ideia que o novo documentário do realizador português Rui Simões deixou aos que assistiram à primeira visualização de A Ilha da Cova da Moura, no cinema City Classic Alvalade. Bairro problemático? Dor de cabeça para as autoridades? As queixas existem, principalmente por parte dos jovens que lá habitam - abusos por parte das autoridades, racismo, invasão domiciliária pela polícia e violação dos seus direitos enquanto cidadãos que aqui trabalham. É verdade. Mas, no final, a ideia que fica é a de que os seis mil habitantes do bairro vivem no melhor dos dois mundos. Vive-se um Cabo Verde recriado nas ruas, nas festas, bailes de funaná, festas de Colá Sanjon, almoços com cachupa, casamentos, nascimentos, mortes, funerais. E depois, cedo pela manhã, atravessa-se a estrada e apanha-se o autocarro para um outro mundo: o do trabalho, nas limpezas, na construção civil, nos supermercados, na Lisboa bem portuguesa. (...)

Selecção Festival IndieLisboa'10









O documentário "Ilha da Cova da Moura" foi seleccionado para o Festival IndieLisboa 2010 (7º Festival Internacional de Cinema Independente), inserido na secção "O Pulsar do Mundo", um programa composto por filmes que lidam com questões relevantes da actualidade mundial.

A estreia está marcada para dia 28 de Abril às 19.00h no Grande Auditório da Culturgest.